(Alvaro de Campos)
Mandado de despejo aos mandarins da Europa. Fora!
Fora tu, Anatole-France, Epicuro de farmacopeia-homeopática, ténia-Jaurès do Ancien-Régime, salada de Renan-Flaubert em louça do século dezassete, falsificada!
Fora tu, Maurice-Barrès, feminista da Acção, Chateaubriand de paredes nuas, alcoviteiro de palco da pátria de cartaz, bolor da Lorena, algibebe dos mortos dos outros, vestindo do seu comércio!
Fora tu, Bourget das almas, lamparineiro das partículas alheias, psicólogo de tampa de brasão, reles snob plebeu, sublinhando a régua de lascas os mandamentos da lei da Igreja!
Fora tu, mercadoria Kipling, homem-prático do verso, imperialista das sucatas, épico para Majuba e Colenso, Empire-Day do calão das fardas, tramp-steamer da baixa imortalidade!
Fora! Fora!
Fora tu, George-Bernard-Shaw, vegetariano do paradoxo, charlatão da sinceridade, tumor frio do ibsenismo, arranjista da intelectualidade inesperada, Kilkenny-Cat de ti próprio, Irish-Melody calvinista com letra da Origem-das-Espécies!
Fora tu, H. G. Wells, ideativo de gesso, saca-rolhas de papelão para a garrafa da Complexidade!
Fora tu, G. K. Chesterton, cristianismo para uso de prestidigitadores, barril de cerveja ao pé do altar, adiposidade da dialéctica cockney com o horror ao sabão influindo na limpeza dos raciocínios!
Fora tu, Yeats da céltica-bruma à roda de poste sem indicações, saco de podres que veio à praia do naufrágio do simbolismo inglês!
Fora! Fora!
Fora tu, Rapagnetta-Annunzio, banalidade em caracteres gregos, «D. Juan em Pathmos» (solo de trombone)!
E tu, Maeterlinck, fogão do Mistério apagado!
E tu Loti, sopa salgada fria!
E finalmente tu, Rostand-tand-tand-tand-tand-tand-tand-tand!
Fora! Fora! Fora!
E se houver outros que faltem, procurem-nos por aí pra um canto!
Tirem isso tudo da minha frente!
Fora com isso tudo! Fora!
Ai! que fazes tu na celebridade, Guilherme-Segundo da Alemanha, canhoto maneta do braço esquerdo, Bismarck sem tampa a estorvar o lume?!
Quem és tu, tu da juba socialista, David-Lloyd-George, bobo de barrete frígio feito de Union Jacks?!
E tu, Venizelos, fatia de Péricles com manteiga, caída no chão de manteiga para baixo?
E tu, qualquer outro, todos os outros, açorda Briand-Dato. Boselli da incompetência ante os factos todos os estadistas pão-de-guerra que datam de muito antes da guerra! Todos! todos! todos! Lixo, cisco, choldra provinciana, safardanagem intelectual!
E todos os chefes de estado, incompetentes ao léu, barris de lixo virados para baixo à porta da Insuficiência da Época!
Tirem isso tudo da minha frente!
Arranjem feixes de palha e ponham-nos a fingir gente que seja outra!
Tudo daqui para fora! Tudo daqui para fora!
Ultimatum a eles todos, e a todos os outros que sejam como eles todos!
Se não querem sair, fiquem e lavem-se.
Falência geral de tudo por causa de todos!
Falência geral de todos por causa de tudo!
Falência dos povos e dos destinos — falência total!
Desfile das nações para o meu Desprezo!
Tu, ambição italiana, cão de colo chamado César!
Tu, «esforço francês», galo depenado com a pele pintada de penas! (Não lhe dêem muita corda senão parte-se!)
Tu, organização britânica, com Kitchener no fundo do mar mesmo desde o princípio da guerra!
(It 's a long, long way to Tipperary and a jolly sight longer way to Berlin !)
Tu, cultura alemã, Esparta podre com azeite de cristismo e vinagre de nietzschização, colmeia de lata, transbordamento imperialóide de servilismo engatado!
Tu, Áustria-súbdita, mistura de sub-raças, batente de porta tipo K!
Tu, Von Bélgica, heróica à força, limpa a mão à parede que foste!
Tu, escravatura russa, Europa de malaios, libertação de mola desoprimida porque se partiu!
Tu, «imperialismo» espanhol, salero em política, com toureiros de sambenito nas almas ao voltar da esquina e qualidades guerreiras enterradas em Marrocos!
Tu, Estados Unidos da América, síntese-bastardia da baixa-Europa, alho da açorda transatlântica nasal do modernismo inestético!
E tu, Portugal-centavos, resto da Monarquia a apodrecer República, extrema-unção-enxovalho da Desgraça, colaboração artificial na guerra com vergonhas naturais em África!
E tu, Brasil, «república irmã», blague de Pedro-Álvares-Cabral, que nem te queria descobrir!
Ponham-me um pano por cima de tudo isso!
Fechem-me isso à chave e deitem a chave fora!
Onde estão os antigos, as forças, os homens, os guias, os guardas?
Vão aos cemitérios, que hoje são só nomes nas lápides!
Agora a filosofia é o ter morrido Fouillée!
Agora a arte é o ter ficado Rodin!
Agora a literatura é Barrès significar!
Agora a crítica é haver bestas que não chamam besta ao Bourget!
Agora a política é a degeneração gordurosa da organização da incompetência!
Agora a religião é o catolicismo militante dos taberneiros da fé, o entusiasmo cozinha-francesa dos Maurras de razão-descascada, é a espectaculite dos pragmatistas cristãos, dos intuicionistas católicos, dos ritualistas nirvânicos, angariadores de anúncios para Deus!
Agora é a guerra, jogo do empurra do lado de cá e jogo de porta do lado de lá!
Sufoco de ter só isto à minha volta!
Deixem-me respirar!
Abram todas as janelas!
Abram mais janelas do que todas as janelas que há no mundo!
(...)
Nenhuma ideia grande, ou noção completa ou ambição imperial de imperador-nato!
Nenhuma ideia de uma estrutura, nenhum senso do Edifício, nenhuma ânsia do Orgânico-Criado!
Nem um pequeno Pitt, nem um Goethe de cartão, nem um Napoleão de Nürnberg!
Nem uma corrente literária que seja sequer a sombra do Romantismo ao meio-dia!
Nem um impulso militar que tenha sequer o vago cheiro de um Austerlitz!
Nem uma corrente política que soe a uma ideia-grão, chocalhando-a, ó Caios&Gracos de tamborilar na vidraça!
Época vil dos secundários, dos aproximados, dos lacaios com aspirações de lacaios a reis-lacaios!
Lacaios que não sabeis ter a Aspiração, burgueses do Desejo, transviados do balcão instintivo!
Sim, todos vós que representais a Europa, todos vós que sois políticos em evidência em todo o mundo, que sois literatos meneurs de correntes europeias, que sois qualquer coisa a qualquer coisa neste maelstrom de chá morno!
Homens-altos de Liliput-Europa, passai por baixo do meu desprezo!
Passai vós, ambiciosos do luxo quotidiano, anseios de costureiras dos dois sexos, vós cujo tipo é o plebeu Annunzio, aristocrata de tanga de ouro!
Passai vós, que sois autores de correntes sociais, de correntes literárias, de correntes artísticas, verso da medalha da impotência de criar!
Passai, frouxos que tendes a necessidade de serdes os istas de qualquer ismo!
Passai, radicais do Pouco incultos do Avanço, que tendes a ignorância por coluna da audácia, que tendes a impotência do esteio das neoteorias!
Passai gigantes de formigueiro, ébrios da vossa personalidade de filhos de burguês, com a mania da grande-vida roubada na despensa paterna e a hereditariedade indesentranhada dos nervos!
Passai mistos; passai, débeis que só cantais a debilidade; passai, ultradébeis que cantais só a força, burgueses pasmados ante o atleta de feira que quereis criar na vossa indecisão febril!
Passai, esterco epileptóide sem grandezas, histeria-lixo dos espectáculos, senilidade social do conceito individual de juventude!
Passai, bolor do Novo, mercadoria em mau estado desde o cérebro de origem!
Passai à esquerda do meu Desdém virado à direita, criadores de «sistemas filosóficos», Boutroux, Bergsons, Euckens, hospitais para religiosos incuráveis, pragmatistas do jornalismo metafísico, lazzaroni da construção meditada!
Passai e não volteis, burgueses da Europa-Total, párias da ambição de parecer-grandes, provincianos de Paris!
Passai, decigramas da Ambição, grandes só numa época que conta a grandeza por centimiligramas!
Passai provisórios, quotidianos artistas e políticos estilo lightning-lunch, servos empoleirados da Hora, trintanários da Ocasião!
Passai, «finas sensibilidades» pela falta de espinha dorsal;
Passai, construtores de café e conferência, monte de tijolos com pretensões a casa!
Passai, cerebrais dos arrabaldes, intensos de esquina-de-rua!
Inútil luxo, passai, vã grandeza ao alcance de todos, megalomania triunfante do aldeão de Europa-aldeia!
Vós que confundis o humano com o popular, e o aristocrático com o fidalgo!
Vós que confundis tudo que, quando não pensais nada, dizeis sempre outra coisa! Chocalhos, incompletos, maravalhas, passai!
Passai, pretendentes a reis parciais, lordes de serradura, senhores feudais do Castelo de Papelão!
Passai, romantismo póstumo dos liberalões de toda a parte, classicismo em álcool dos fetos de Racine, dinamismo das Whitmans de degrau de porta, dos pedintes da inspiração forçada, cabeças ocas que fazem barulho porque vão bater com elas nas paredes!
Passai, cultores do hipnotismo em casa, dominadores da vizinha do lado, caserneiros da Disciplina que não custa nem cria!
Passai, tradicionalistas autoconvencidos, anarquistas deveras sinceros, socialistas a invocar a sua qualidade de trabalhadores para quererem deixar de trabalhar! Rotineiros da revolução passai!
Passai, eugenistas, organizadores de uma vida de lata, prussianos da biologia aplicada, neomendelianos da incompreensão sociológica!
Passai, vegetarianos, teetotalers, calvinistas dos outros, kill-joys do imperialismo de sobejo!
Passai, amanuenses do vivre&sa&vie de botequim extremamente de esquina, ibsenóides Bernstein-Bataille do homem forte de sala de palco!
Tango de pretos, fosses tu ao menos minuete!
Passai, absolutamente, passai!
Vem tu finalmente ao meu Asco, roça-te tu finalmente contra as solas do meu Desdém, grand finale dos parvos, conflagração escárnio, fogo em pequeno monte de estrume, síntese dinâmica do estatismo ingénito da Época!
Roça-te tu e roja-te, impotência a fazer barulho!
Roça-te, canhões declamando a incapacidade de mais ambição que balas, de mais inteligência que bombas!
Que esta é a equação-lama da infâmia do cosmopolitismo de tiros:
Proclamem bem alto que ninguém combate pela Liberdade ou pelo Direito! Todos combatem por medo dos outros! Não tem mais metros que estes milímetros a estatura das suas direcções!
Lixo guerreiro-palavroso! Esterco Joffre-Hindenburguesco! Sentina europeia de Os Mesmos em cisão balofa!
Quem acredita neles?
Quem acredita nos outros?
Façam a barba aos poilus!
Descasquetem o rebanho inteiro!
Mandem isso tudo pra casa descascar batatas simbólicas!
Lavem essa celha de mixórdia inconsciente!
Atrelem uma locomotiva a essa guerra!
Ponham uma coleira a isso e vão exibi-lo para a Austrália!
(?)
Homens, nações, intuitos, está tudo nulo!
Falência de tudo por causa de todos!
Falência de todos por causa de tudo!
De um modo completo, de um modo total, de um modo integral: Merda!
A Europa tem sede de que se crie, tem fome de Futuro!
A Europa quer grandes Poetas, quer grandes Estadistas, quer grandes Generais!
Quer o Político que construa conscientemente os destinos inconscientes do seu Povo!
Quer o Poeta que busque a Imortalidade ardentemente, e não se importe com a fama, que é para as actrizes e para os produtos farmacêuticos!
Quer o General que combata pelo triunfo Construtivo, não pela vitória em que apenas se denotam os outros!
A Europa quer muitos destes Políticos, muitos destes Poetas, muitos destes Generais!
A Europa quer a Grande Ideia que esteja por dentro destes Homens Fortes – a ideia que seja o Nome da sua riqueza anónima!
A Europa quer a Inteligência Nova que seja a Forma da sua Matéria caótica!
Quer a Vontade Nova que faça um Edifício com as pedras-ao-acaso do que é hoje a Vida!
Quer a Sensibilidade Nova que reúna de dentro os egoísmos dos lacaios da Hora!
A Europa quer Donos!
O Mundo quer a Europa!
A Europa está farta de não existir ainda!
Está farta de ser apenas o arrabalde de si-própria!
A Era das Máquinas procura, tacteando, a vinda da Grande Humanidade!
A Europa anseia, ao menos, por Teóricos de O-que-será, por Cantores-Videntes do seu Futuro!
Dai Homero à Era das Máquinas, ó Destinos científicos!
Daí Miltons à Época das Coisas Eléctricas, ó Deuses interiores à Matéria!
Dai-nos Possuidores de si próprios, Fortes, Completos, Harmónicos, Subtis!
A Europa quer passar de designação geográfica a pessoa civilizada!
O que aí está a apodrecer a Vida, quando muito é estrume para o Futuro!
O que aí está não pode durar, porque não é nada!
Eu, da Raça dos Navegadores, afirmo que não pode durar!
Eu, da Raça dos Descobridores, desprezo o que seja menos que descobrir um novo Mundo!
Quem há na Europa que ao menos suspeite de que lado fica o Novo Mundo agora a descobrir? Quem sabe estar em um Sagres qualquer? Eu, ao menos, sou uma grande Ânsia do tamanho exacto do Possível!
Eu, ao menos, sou da estatura da Ambição Imperfeita, mas da Ambição para Senhores, não para escravos!
Ergo-me ante o sol que desce, e a sombra do meu Desprezo anoitece em vós! Eu, ao menos, sou bastante para indicar Caminho!
Vou indicar o Caminho.
(?)
Mas qual o Método, o feitio da operação colectiva que há-de organizar, nos homens do futuro, esses resultados?
Qual o Método operatório inicial?
O Método sabe-o só a geração por quem grito, por quem o cio da Europa se roça contra as paredes!
Se eu soubesse o Método, seria eu-próprio toda essa geração!
Mas eu só vejo o Caminho; não sei onde ele vai ter.
Em todo caso proclamo a necessidade da vinda da Humanidade dos Engenheiros!
Faço mais: garanto absolutamente a vinda da Humanidade dos Engenheiro!
Proclamo, para um futuro próximo, a criação científica dos Super-homens!
Proclamo a vinda de uma Humanidade matemática e perfeita!
Proclamo a sua Vinda em altos gritos! Proclamo a sua Obra em altos gritos!
Proclamo-A, sem mais nada, em altos gritos!
E proclamo também: Primeiro: O Super-homem Será, Não o Mais Forte, Mas o Mais Completo!
E proclamo também: Segundo: O Super-homem Será, Não o Mais Puro, Mas o Mais Complexo!
E proclamo também: Terceiro: O Super-homem Será, Não o Mais Livre, Mas o Mais Harmónico!
Proclamo isto bem alto e bem no auge, na barra do Tejo, de costas para a Europa, braços erguidos, fitando o Atlântico e saudando abstractamente o Infinito!
(Alvaro de Campos)
Mandado de despejo aos mandarins da Europa. Fora!
Fora tu, Anatole-France, Epicuro de farmacopeia-homeopática, ténia-Jaurès do Ancien-Régime, salada de Renan-Flaubert em louça do século dezassete, falsificada!
Fora tu, Maurice-Barrès, feminista da Acção, Chateaubriand de paredes nuas, alcoviteiro de palco da pátria de cartaz, bolor da Lorena, algibebe dos mortos dos outros, vestindo do seu comércio!
Fora tu, Bourget das almas, lamparineiro das partículas alheias, psicólogo de tampa de brasão, reles snob plebeu, sublinhando a régua de lascas os mandamentos da lei da Igreja!
Fora tu, mercadoria Kipling, homem-prático do verso, imperialista das sucatas, épico para Majuba e Colenso, Empire-Day do calão das fardas, tramp-steamer da baixa imortalidade!
Fora! Fora!
Fora tu, George-Bernard-Shaw, vegetariano do paradoxo, charlatão da sinceridade, tumor frio do ibsenismo, arranjista da intelectualidade inesperada, Kilkenny-Cat de ti próprio, Irish-Melody calvinista com letra da Origem-das-Espécies!
Fora tu, H. G. Wells, ideativo de gesso, saca-rolhas de papelão para a garrafa da Complexidade!
Fora tu, G. K. Chesterton, cristianismo para uso de prestidigitadores, barril de cerveja ao pé do altar, adiposidade da dialéctica cockney com o horror ao sabão influindo na limpeza dos raciocínios!
Fora tu, Yeats da céltica-bruma à roda de poste sem indicações, saco de podres que veio à praia do naufrágio do simbolismo inglês!
Fora! Fora!
Fora tu, Rapagnetta-Annunzio, banalidade em caracteres gregos, «D. Juan em Pathmos» (solo de trombone)!
E tu, Maeterlinck, fogão do Mistério apagado!
E tu Loti, sopa salgada fria!
E finalmente tu, Rostand-tand-tand-tand-tand-tand-tand-tand!
Fora! Fora! Fora!
E se houver outros que faltem, procurem-nos por aí pra um canto!
Tirem isso tudo da minha frente!
Fora com isso tudo! Fora!
Ai! que fazes tu na celebridade, Guilherme-Segundo da Alemanha, canhoto maneta do braço esquerdo, Bismarck sem tampa a estorvar o lume?!
Quem és tu, tu da juba socialista, David-Lloyd-George, bobo de barrete frígio feito de Union Jacks?!
E tu, Venizelos, fatia de Péricles com manteiga, caída no chão de manteiga para baixo?
E tu, qualquer outro, todos os outros, açorda Briand-Dato. Boselli da incompetência ante os factos todos os estadistas pão-de-guerra que datam de muito antes da guerra! Todos! todos! todos! Lixo, cisco, choldra provinciana, safardanagem intelectual!
E todos os chefes de estado, incompetentes ao léu, barris de lixo virados para baixo à porta da Insuficiência da Época!
Tirem isso tudo da minha frente!
Arranjem feixes de palha e ponham-nos a fingir gente que seja outra!
Tudo daqui para fora! Tudo daqui para fora!
Ultimatum a eles todos, e a todos os outros que sejam como eles todos!
Se não querem sair, fiquem e lavem-se.
Falência geral de tudo por causa de todos!
Falência geral de todos por causa de tudo!
Falência dos povos e dos destinos — falência total!
Desfile das nações para o meu Desprezo!
Tu, ambição italiana, cão de colo chamado César!
Tu, «esforço francês», galo depenado com a pele pintada de penas! (Não lhe dêem muita corda senão parte-se!)
Tu, organização britânica, com Kitchener no fundo do mar mesmo desde o princípio da guerra!
(It 's a long, long way to
Tu, cultura alemã, Esparta podre com azeite de cristismo e vinagre de nietzschização, colmeia de lata, transbordamento imperialóide de servilismo engatado!
Tu, Áustria-súbdita, mistura de sub-raças, batente de porta tipo K!
Tu, Von Bélgica, heróica à força, limpa a mão à parede que foste!
Tu, escravatura russa, Europa de malaios, libertação de mola desoprimida porque se partiu!
Tu, «imperialismo» espanhol, salero em política, com toureiros de sambenito nas almas ao voltar da esquina e qualidades guerreiras enterradas em Marrocos!
Tu, Estados Unidos da América, síntese-bastardia da baixa-Europa, alho da açorda transatlântica nasal do modernismo inestético!
E tu, Portugal-centavos, resto da Monarquia a apodrecer República, extrema-unção-enxovalho da Desgraça, colaboração artificial na guerra com vergonhas naturais em África!
E tu, Brasil, «república irmã», blague de Pedro-Álvares-Cabral, que nem te queria descobrir!
Ponham-me um pano por cima de tudo isso!
Fechem-me isso à chave e deitem a chave fora!
Onde estão os antigos, as forças, os homens, os guias, os guardas?
Vão aos cemitérios, que hoje são só nomes nas lápides!
Agora a filosofia é o ter morrido Fouillée!
Agora a arte é o ter ficado Rodin!
Agora a literatura é Barrès significar!
Agora a crítica é haver bestas que não chamam besta ao Bourget!
Agora a política é a degeneração gordurosa da organização da incompetência!
Agora a religião é o catolicismo militante dos taberneiros da fé, o entusiasmo cozinha-francesa dos Maurras de razão-descascada, é a espectaculite dos pragmatistas cristãos, dos intuicionistas católicos, dos ritualistas nirvânicos, angariadores de anúncios para Deus!
Agora é a guerra, jogo do empurra do lado de cá e jogo de porta do lado de lá!
Sufoco de ter só isto à minha volta!
Deixem-me respirar!
Abram todas as janelas!
Abram mais janelas do que todas as janelas que há no mundo!
Nenhuma ideia de uma estrutura, nenhum senso do Edifício, nenhuma ânsia do Orgânico-Criado!
Nem um pequeno Pitt, nem um Goethe de cartão, nem um Napoleão de Nürnberg!
Nem uma corrente literária que seja sequer a sombra do Romantismo ao meio-dia!
Nem um impulso militar que tenha sequer o vago cheiro de um Austerlitz!
Nem uma corrente política que soe a uma ideia-grão, chocalhando-a, ó Caios&Gracos de tamborilar na vidraça!
Época vil dos secundários, dos aproximados, dos lacaios com aspirações de lacaios a reis-lacaios!
Lacaios que não sabeis ter a Aspiração, burgueses do Desejo, transviados do balcão instintivo!
Sim, todos vós que representais a Europa, todos vós que sois políticos em evidência em todo o mundo, que sois literatos meneurs de correntes europeias, que sois qualquer coisa a qualquer coisa neste maelstrom de chá morno!
Homens-altos de Liliput-Europa, passai por baixo do meu desprezo!
Passai vós, ambiciosos do luxo quotidiano, anseios de costureiras dos dois sexos, vós cujo tipo é o plebeu Annunzio, aristocrata de tanga de ouro!
Passai vós, que sois autores de correntes sociais, de correntes literárias, de correntes artísticas, verso da medalha da impotência de criar!
Passai, frouxos que tendes a necessidade de serdes os istas de qualquer ismo!
Passai, radicais do Pouco incultos do Avanço, que tendes a ignorância por coluna da audácia, que tendes a impotência do esteio das neoteorias!
Passai gigantes de formigueiro, ébrios da vossa personalidade de filhos de burguês, com a mania da grande-vida roubada na despensa paterna e a hereditariedade indesentranhada dos nervos!
Passai mistos; passai, débeis que só cantais a debilidade; passai, ultradébeis que cantais só a força, burgueses pasmados ante o atleta de feira que quereis criar na vossa indecisão febril!
Passai, esterco epileptóide sem grandezas, histeria-lixo dos espectáculos, senilidade social do conceito individual de juventude!
Passai, bolor do Novo, mercadoria em mau estado desde o cérebro de origem!
Passai à esquerda do meu Desdém virado à direita, criadores de «sistemas filosóficos», Boutroux, Bergsons, Euckens, hospitais para religiosos incuráveis, pragmatistas do jornalismo metafísico, lazzaroni da construção meditada!
Passai e não volteis, burgueses da Europa-Total, párias da ambição de parecer-grandes, provincianos de Paris!
Passai, decigramas da Ambição, grandes só numa época que conta a grandeza por centimiligramas!
Passai provisórios, quotidianos artistas e políticos estilo lightning-lunch, servos empoleirados da Hora, trintanários da Ocasião!
Passai, «finas sensibilidades» pela falta de espinha dorsal;
Passai, construtores de café e conferência, monte de tijolos com pretensões a casa!
Passai, cerebrais dos arrabaldes, intensos de esquina-de-rua!
Inútil luxo, passai, vã grandeza ao alcance de todos, megalomania triunfante do aldeão de Europa-aldeia!
Vós que confundis o humano com o popular, e o aristocrático com o fidalgo!
Vós que confundis tudo que, quando não pensais nada, dizeis sempre outra coisa! Chocalhos, incompletos, maravalhas, passai!
Passai, pretendentes a reis parciais, lordes de serradura, senhores feudais do Castelo de Papelão!
Passai, romantismo póstumo dos liberalões de toda a parte, classicismo em álcool dos fetos de Racine, dinamismo das Whitmans de degrau de porta, dos pedintes da inspiração forçada, cabeças ocas que fazem barulho porque vão bater com elas nas paredes!
Passai, cultores do hipnotismo em casa, dominadores da vizinha do lado, caserneiros da Disciplina que não custa nem cria!
Passai, tradicionalistas autoconvencidos, anarquistas deveras sinceros, socialistas a invocar a sua qualidade de trabalhadores para quererem deixar de trabalhar! Rotineiros da revolução passai!
Passai, eugenistas, organizadores de uma vida de lata, prussianos da biologia aplicada, neomendelianos da incompreensão sociológica!
Passai, vegetarianos, teetotalers, calvinistas dos outros, kill-joys do imperialismo de sobejo!
Passai, amanuenses do vivre&sa&vie de botequim extremamente de esquina, ibsenóides Bernstein-Bataille do homem forte de sala de palco!
Tango de pretos, fosses tu ao menos minuete!
Passai, absolutamente, passai!
Vem tu finalmente ao meu Asco, roça-te tu finalmente contra as solas do meu Desdém, grand finale dos parvos, conflagração escárnio, fogo em pequeno monte de estrume, síntese dinâmica do estatismo ingénito da Época!
Roça-te tu e roja-te, impotência a fazer barulho!
Roça-te, canhões declamando a incapacidade de mais ambição que balas, de mais inteligência que bombas!
Que esta é a equação-lama da infâmia do cosmopolitismo de tiros:
Proclamem bem alto que ninguém combate pela Liberdade ou pelo Direito! Todos combatem por medo dos outros! Não tem mais metros que estes milímetros a estatura das suas direcções!
Lixo guerreiro-palavroso! Esterco Joffre-Hindenburguesco! Sentina europeia de Os Mesmos em cisão balofa!
Quem acredita neles?
Quem acredita nos outros?
Façam a barba aos poilus!
Descasquetem o rebanho inteiro!
Mandem isso tudo pra casa descascar batatas simbólicas!
Lavem essa celha de mixórdia inconsciente!
Atrelem uma locomotiva a essa guerra!
Ponham uma coleira a isso e vão exibi-lo para a Austrália!
(?)
Homens, nações, intuitos, está tudo nulo!
Falência de tudo por causa de todos!
Falência de todos por causa de tudo!
De um modo completo, de um modo total, de um modo integral: Merda!
A Europa tem sede de que se crie, tem fome de Futuro!
A Europa quer grandes Poetas, quer grandes Estadistas, quer grandes Generais!
Quer o Político que construa conscientemente os destinos inconscientes do seu Povo!
Quer o Poeta que busque a Imortalidade ardentemente, e não se importe com a fama, que é para as actrizes e para os produtos farmacêuticos!
Quer o General que combata pelo triunfo Construtivo, não pela vitória em que apenas se denotam os outros!
A Europa quer muitos destes Políticos, muitos destes Poetas, muitos destes Generais!
A Europa quer a Grande Ideia que esteja por dentro destes Homens Fortes – a ideia que seja o Nome da sua riqueza anónima!
A Europa quer a Inteligência Nova que seja a Forma da sua Matéria caótica!
Quer a Vontade Nova que faça um Edifício com as pedras-ao-acaso do que é hoje a Vida!
Quer a Sensibilidade Nova que reúna de dentro os egoísmos dos lacaios da Hora!
A Europa quer Donos!
O Mundo quer a Europa!
A Europa está farta de não existir ainda!
Está farta de ser apenas o arrabalde de si-própria!
A Era das Máquinas procura, tacteando, a vinda da Grande Humanidade!
A Europa anseia, ao menos, por Teóricos de O-que-será, por Cantores-Videntes do seu Futuro!
Dai Homero à Era das Máquinas, ó Destinos científicos!
Daí Miltons à Época das Coisas Eléctricas, ó Deuses interiores à Matéria!
Dai-nos Possuidores de si próprios, Fortes, Completos, Harmónicos, Subtis!
A Europa quer passar de designação geográfica a pessoa civilizada!
O que aí está a apodrecer a Vida, quando muito é estrume para o Futuro!
O que aí está não pode durar, porque não é nada!
Eu, da Raça dos Navegadores, afirmo que não pode durar!
Eu, da Raça dos Descobridores, desprezo o que seja menos que descobrir um novo Mundo!
Quem há na Europa que ao menos suspeite de que lado fica o Novo Mundo agora a descobrir? Quem sabe estar
Eu, ao menos, sou da estatura da Ambição Imperfeita, mas da Ambição para Senhores, não para escravos!
Ergo-me ante o sol que desce, e a sombra do meu Desprezo anoitece em vós! Eu, ao menos, sou bastante para indicar Caminho!
Vou indicar o Caminho.
(?)
Mas qual o Método, o feitio da operação colectiva que há-de organizar, nos homens do futuro, esses resultados?
Qual o Método operatório inicial?
O Método sabe-o só a geração por quem grito, por quem o cio da Europa se roça contra as paredes!
Se eu soubesse o Método, seria eu-próprio toda essa geração!
Mas eu só vejo o Caminho; não sei onde ele vai ter.
Em todo caso proclamo a necessidade da vinda da Humanidade dos Engenheiros!
Faço mais: garanto absolutamente a vinda da Humanidade dos Engenheiro!
Proclamo, para um futuro próximo, a criação científica dos Super-homens!
Proclamo a vinda de uma Humanidade matemática e perfeita!
Proclamo a sua Vinda em altos gritos! Proclamo a sua Obra em altos gritos!
Proclamo-A, sem mais nada, em altos gritos!
E proclamo também: Primeiro: O Super-homem Será, Não o Mais Forte, Mas o Mais Completo!
E proclamo também: Segundo: O Super-homem Será, Não o Mais Puro, Mas o Mais Complexo!
E proclamo também: Terceiro: O Super-homem Será, Não o Mais Livre, Mas o Mais Harmónico!
Proclamo isto bem alto e bem no auge, na barra do Tejo, de costas para a Europa, braços erguidos, fitando o Atlântico e saudando abstractamente o Infinito!