sexta-feira, 8 de agosto de 2008

Infância (ou "Futuro")


Gostava de galgar as escarpas íngremes, e sentir nas palmas das mãos o molhado da condensação da névoa sobre a rocha nua. Névoa, esta, incessante, e de tal modo densa, que lhe umedecia a face toda tal como à pedra. Liqüefeito, o vapor escorria na cara, e, misturado que ficava ao suor advindo do esforço empreendido na escalada, descia até a boca, onde fazia sentir o sabor timidamente salgado próprio de lágrima. Ah, as escarpas... por conta da cerração, em cume de uma delas se chegando, as outras não se viam. E eram várias delas, todas alcantiladas, atemorizantes, soberbas. E como lhe aprazia lançar ao despenhadeiro as pedras que lá no ápice encontrava e as ouvir tocando superfícies outras que não enxergava! E escutar novamente, multiplicado pelos ecos, tanto o barulho do choque, quanto o do rolar delas pelos taludes, até que acabassem, os ecos; era como viessem do nada. Lembrava-se, então, de quando chorava criança, e como provava das lágrimas e gostava. E como não queria que os ecos acabassem nunca.



(imagem: Henri Rousseau, Menino nas rochas, 1895/1897, 55 X 46 cm)

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