quarta-feira, 14 de janeiro de 2009

Diadorim vinha constante comigo.

(Guimarães Rosa)

“Diadorim vinha constante comigo. Que viesse sentido, soturno? Não era, não, isso eu é que estava crendo, e quase dois dias enganoso cri. Depois, somente, entendi que o emburro era mesmo meu. Saudade de amizade. Diadorim caminhava correto, com aquele passo curto, que o dele era, e que a brio pelejava por espertar. Assumi que ele estava cansado, sofrido também. Aí mesmo assim, escasso no sorrir, ele não me negava estima, nem o valor de seus olhos. Por um sentir: às vezes eu tinha a cisma de que, só de calcar o pé em terra, alguma coisa nele doesse. Mas, essa idéia, que me dava, era do carinho meu. Tanto que me vinha a vontade, se pudesse, nessa caminhada, eu carregava Diadorim, livre de tudo, nas minhas costas. Até, o que me alegrava, era uma fantasia, assim como se ele, por não sei que modo, percebesse meus cuidados, e no próprio sentir me agradecendo. O que brotava em mim e rebrotava: essas demasias do coração. Continuando, feito um bem, que sutil, e nem me perturbava, porque a gente guardasse cada um consigo sua tenção de bem-querer, com esquivança de qualquer pensar, do que a consciência escuta e se espanta; e também em razão de que a gente mesmo deixava de excogitar e conhecer o vulto verdadeiro daquele afeto, com seu poder e seus segredos: assim é que hoje eu penso.”

sexta-feira, 9 de janeiro de 2009

Uma Arte

(Elizabeth Bishop - trad. por mim*)

Não é difícil ser experto na arte de perder;
Há tantas coisas que parecem estar impregnadas de um propósito intrínseco
de serem perdidas, que sua perda afinal não é nenhum desastre.

Perca algo todos os dias. Resigne-se ante a agonia
da perda das chaves das portas, das horas mal aproveitadas.
Não é difícil ser experto na arte de perder.

Em seguida, exercite perder coisas de maior vulto, e mais rapidamente:
lugares, e nomes, e os destinos para os quais pretendia
viajar. Nada disso irá causar desastre algum.

Eu perdi o relógio da minha mãe. E veja só! Perdi a última – ou a
penúltima? – de três casas que eu adorava.
Não é difícil ser experto na arte de perder.

Eu perdi duas cidades, encantadoras. E, mais ainda,
alguns reinos que eu dominava, dois rios, um continente.
Eu os perdi todos, mas não foi desastre algum.

- Até mesmo perder você (aquela voz engraçada fazendo troça, o jeitinho
que eu amo), eu não haverei de mentir. É evidente que
não é tão difícil ser experto na arte de perder,
muito embora ela possa de fato parecer (tome nota!) ser semelhante a um desastre.


* Infelizmente sem metrificação nem rimas...

One Art

(Elizabeth Bishop)

The art of losing isn't hard to master;
so many things seem filled with the intent
to be lost that their loss is no disaster.

Lose something every day. Accept the fluster
of lost door keys, the hour badly spent.
The art of losing isn't hard to master.

Then practice losing farther, losing faster:
places, and names, and where it was you meant
to travel. None of these will bring disaster.

I lost my mother's watch. And look! my last, or
next-to-last, of three loved houses went.
The art of losing isn't hard to master.

I lost two cities, lovely ones. And, vaster,
some realms I owned, two rivers, a continent.
I miss them, but it wasn't a disaster.

– Even losing you (the joking voice, a gesture
I love) I shan't have lied. It's evident
the art of losing's not too hard to master
though it may look like (Write it!) like disaster.

sexta-feira, 2 de janeiro de 2009

Promenade

“A batallas de amor campo de plumas.”

(Gongora apud Verlaine)



Atento
mais paisible
passeio pelas veredas
relevos e vales
caminhos
suaves mares de morros
placides
exploro com calma e devoção
as macias depressões
os alteamentos brandos
os píncaros sutis
e as planícies;
enfim precipito-me
no despenhadeiro
satisfeito
afoito
confiante
étourdi.

Quem sou eu

Rio de Janeiro, RJ, Brazil